segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Desvio
preferi crepitar na inconsciência
do que trazer de bandeja na mão
e postura correta aquele pão
de realidade insípida
que se dá de comer aos donos
dos porcos.
- mais uma dose- pede,
ao meu lado,
um bêbedo pior do que eu,
desses embriagados de ressaibo.
ao nosso lado há sempre,
sempre, alguém pior do que nós.
disse a voz de uma avó qualquer,
nos retalhos varridos da memória,
que nos lembrassemos sempre disso:
que a vida não está para os fracos,
que não se pode ficar a beber num tasco,
que há sempre alguém pior do que nós.
- mais uma dose, peço
e o barman varre o balcão com o olhar
e traz a garrafa de âmbar
de onde verte dormência e rouquidão;
alguém fala do noticiário, e das
lamúrias vozes de quem compra o caos.
estou pior do que eles.
acendo o cigarro:
- não pode fumar cá dentro, senhor.
a rua é um lugar dos cães, mas até esses
vivem enjaulados, salivando as suas raivas
infeciosas. não espumo, mas tremo
e crepito. há uma torbulência estranha
e disforme como os rostos.
um colete de forças proteger-me-ia do frio.
a efervescência rítmica dos sentidos
tombou seguidamente
ao copo- e para o corpo, túmulo
da inconsciência quebrada e o silêncio
perdido para o ruído raivoso e insone.
perdi a razão, quando os estilhaços de vidro
pintaram o chão, dizem.
mas como os porcos comi couve
e como os cães vi a noite.
mas sou louco, certamente,
louco de in-lucidez.
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2 comentários:
caramba... nem sequer sei o que dizer... mas identifico-me tanto com o que escreveste aqui...
«e traz a garrafa de âmbar
de onde verte dormência e rouquidão». o meu excerto preferido!
É sublime.
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